terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Matinal

Caminhei ao redor
A vigiar o teu sono
Era poesia
O silêncio
Dos teus olhos
Sonhei:
Repousava leve
Sobre tuas costas
Aprendia da pele
Cada segundo morno
Do teu tempo manso

Serena manhã de sol
No meu tempo fechado.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Voragem

(para José)

Caminhávamos sóbrios, nós dois
Era tempo de seguir

À frente, a imensidão de uma árvore se impunha
Seca, frondosa, desfolhada
 éramos pequeninos 
Um pássaro negro habitava-lhe o topo
Apenas um, solitário, como nós
Embora fôssemos dois

No céu, um poente nublado
Eivando de sombras a paisagem
Banhava-nos de certa luz oblíqua
Atravessando nossos olhos de incerteza
Em redor, via-se o ermo, apenas
O descampado sem fim
 éramos finitos 

Vastidão,voragem sombria de onde a noite vertia
Aos poucos derramada sobre nós
Aos nossos olhos sóbrios, atravessados
Seguíamos desafiando a escuridão
 éramos cegos 
Embora soubéssemos os passos

E no breu de um instante supremo
 sem passado, nem futuro 
Sumíamos de nós no escuro
Devorados pela noite
Onde tudo permanece e tudo some
Eu, no escuro de você
Você, no escuro de mim

Sumíamos de nós
No escuro
Era tempo de seguir.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Karma drama

Escuridão ao redor
Tempo ao revés
O amor
A resistir bravamente
E tudo o mais num vão

Vagueia o tato
A decifrar contornos na penumbra
Ilusão, sentido, matéria
Voragem desconcertante do nada
Um Eu fatigado, a questão
E tudo o mais se destroça

Resta um impulso:
Mergulhar em si
(No tempo roubado do tempo
Na pausa ritimada do pulso)
Afundar em contorção
Feito serpente pelo chão
A esfolar a pele morta

Num clarear da visão:
Um princípio, um fim e a passagem
(Exatamente no meio)
Um oceano revolto a chacoalhar um cais
Onde o infinito inteiro
Aporta.

domingo, 24 de julho de 2011

Malmequer

É um passo preguiçoso
Pela rua deserta que me alcança
Meu amor que não chega
É cansaço, descrença, destino
É quedar de desenganos
Na virada da esquina
Sempre incerta, sempre sua
Meu amor que não pode
Sua voz sussurrada de perto
É a flor desse desejo
Sempre aberta, sempre sua
Malmequer despetalado
Aquele verso calado
Meu amor que não fala
É segredo, meu vestido novo
Para ninguém, guardado
Seu olhar sempre disperso
Meu amor que não vê
É assim, uma saudade sem sal
Meu mal, meu bem, triste e sorrindo
É amor o meu amor que não é.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Chá das Cinco

(à pequena Margô adormecida)
                              
Mais uma tarde desfalece acinzentada
Fios rosados de sol restam à fresta da janela
Desconcerta a companhia muda
De pequenas louças desenhadas,
Água morna perfumada, acalento
E meros ruídos comunitários
Um instante parado nos olhos
Infusão de memórias
A vida invade retratada:
O cinza, o sol,  as horas
E nada mais, além
De um cão desenganado
Vencido pelo sono.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Sombras



"Porque sei que nada saberei
Do único poder fugaz e verdadeiro
Porque não posso beber
Lá, onde as árvores florescem e as fontes rumorejam,
Pois lá nada retorna à sua forma"
(T. S. Eliot, Quarta-feira de Cinzas)
Amanheci numa cidade morta
Baldia dos teus gracejos
Sem beijos, mãos, deserta
Depois de ver noutra manhã
O desacerto dos teus olhos
Fazendo dos meus
Um espelho baço da tua distância
Sigo em frente
Distante, como queres
E no silêncio de cada uma das ruas,
À sombra solitária dos arbustos,
É onde te posso encontrar
Secretamente meu
Repousado, quieto  
No avesso cinzento da saudade,
Nesta cidade de memórias,
Velha conhecida,
Nestas ruas de silêncio
Em que caminho 
Calmamente
Pela sombra.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Latência

Habito as horas demorosas desta noite
Os segundos gotejam espaçados
Seguem perdidos, um a um
No abismo das coisas ao redor
Desinventadas no escuro
Mas sabidas em mim 
De súbito  agora 
Quando à mansidão noturna
Segue-se o espanto:
            Encontro-me viva
            No ventre soturno
            De todas as coisas.

Toquinho – Pequena crônica confessional


Aquarela foi uma das primeiras músicas que aprendi a cantar, ouvia com minha mãe em casa. Depois, um pequeno coral na escola em alguma série primária, toda a classe cantando junta... os ensaios... lembro-me bem. A música doce, a imaginação solta pelos versos, um mundo de sons, cores, dúvidas... “por que tem um muro, mãe?”, “onde fica Estambul?”, “que cor é grená?” e “e o futuro?”...

E lembro-me bem do meu espanto de menina ao conceber a ideia de que um homem algo tão grande pudesse singelamente ser chamado de “Toquinho”. Vi a imagem na tv, olhos pequeninos, a fala mansa.. as covinhas do rosto como se sorrisse sempre, mesmo sério. Toquinho era um menino grande. Amei cedo.
 

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Solo

Anda, pequena
Amarra bem os teus cabelos
Que há vento lá fora

Depressa, não há tempo
Guarda o teu sorriso bobo
Para o depois, se houver

Se houver, pequena, vamos
Abotoa os teus sapatos
E caminha grave a passos firmes

Que a solidão é uma estrada
Que atravessa a vida toda.